4 de jun. de 2011

Nem putas, nem santas: livres


Por Bruna Provazi - 04.06.2011

Mal terminou o maio de 2011, com sua sequência de sábados de protestos nas ruas de São Paulo (leia-se: Churrascão da Gente Diferenciada, Marcha da Maconha e Marcha da Liberdade), o final de semana que abriu o mês de junho veio carregado de indícios de que o coro d@s ciberativistas descontentes prossegue.
A Marcha das Vadias pode ter reunido menos gente do que as manifestações anteriores, até porque, como sabemos, a questão das mulheres é um tema que mobiliza menos a atenção da sociedade brasileira. Não fosse isso, talvez já tivéssemos avançado em muitas reivindicações lááá da segunda onda do feminismo pelas quais ainda lutamos, tais como a legalização do aborto. Outro motivo é que é legal e descolado defender pautas mais amplas, como a liberdade de expressão (de quem mesmo?), difícil mesmo é descer do muro quando o assunto é feminismo.
Ainda assim, centenas de pessoas (não sou boa com números, mas, se a polícia conta 300, certamente podemos jogar esse número aí bem pra cima), saíram de suas casas nesse gelado sábado de outono/inverno pra fazer algo mais que desfilar de lingerie pela Paulista – como temíamos que pudesse acontecer. Às duas da tarde, horário marcado no Facebook, havia mais fotógrafos e jornalistas do que as vadias propriamente ditas. Em pouco tempo, já éramos maioria.

 

Nós da Fuzarca Feminista, que é o núcleo jovem da Marcha Mundial das Mulheres, havíamos preparado nossa própria intervenção. Levamos cartazes, panfletos, batuques, palavras de ordem e muitas ideias pra testar na prática. E não fomos as únicas. Foi uma surpresa muito boa encontrar várias outras jovens que compartilhavam das mesmas indignações. Surgiram as Blogueiras Feministas. Surgiram as Pedalinas. Surgiram nossos apoiadores do sexo masculino – que nunca antes na história das manifestações na Paulista foram tão educados e solidários: até pra pegar panfleto pediam licença, gente. Até os policiais pareciam querer colaborar (quem tem medo das feministas más?).
Diversas pessoas, organizadas de forma independente ou coletiva, deixaram os computadores de stand by por um momento pra dar suas tuitadas na rua. A trilha sonora foi uma mashup feminista entre a batucada da Fuzarca e a discotecagem riot da Elisa pelo megafone. E tudo terminou da forma mais massa que poderia. No país em que duas mulheres são espancadas a cada 5 minutos, a marcha contra a culpabilização da vítima pelo crime de estupro se transformou em uma ampla manifestação contra a violência sexista.
Marchamos pelo direito de sermos “feias”, se ser “bonita” significa se encaixar num modelo de beleza ditado exclusivamente pelo desejo masculino e pelos lucros do mercado.
Não somos estupradas porque vestimos saias, andamos sozinhas à noite ou bebemos um pouco a mais. Não ganhamos menores salários e somos minoria em determinadas profissões e em cargos de poder devido a nossas “características naturais distintas”. Tampouco amamentamos em público para o deleite de nossos incautos observadores.
A violência sexista é essa cometida pelos homens contra nós, mulheres, simplesmente por sermos mulheres. As situações de violência são demonstrações de poder e, geralmente, são justificadas por argumentos relacionados ao que deveria ser o jeito certo de nos portarmos. Estupro é questão de poder, não de sexo.
Porque não se trata apenas de “importar” as Slutwalks, é preciso ressignificá-las, contextualizá-las. E que contextualização melhor do que atacar o símbolo contemporâneo do CQCismo e do mau gosto na TV Brasileira? Bombardeamos o QG, ou o “muquifo” – como disse a Vange – dos CQCistas Rafael Bastos e Danilo Gentilli.
Quando perceberam nossa movimentação em direção ao recinto, abaixaram as portas às pressas (quem tem medo das feministas más?). Com o megafone aberto, condenamos a violência contra a mulher e as declarações fascistas dos donos do muquifo. Nem nosso dinheiro, nem nossa audiência: pedimos o boicote. A trilha nesse momento ficou por conta da própria multidão organizada: “Abaixo o CQC!” / “Marcelo Tas, me processa!” / “Mamaço!”.
De repente, todos cartazes foram colados na porta do Comedians, na Augusta. Certamente, foi mais fácil arrancá-los do que pintar a calçada de preto na semana passada, depois que surgiram os stencils “Estupra-se mulheres feias aqui”. Mas as marcas que deixamos foram muito maiores. O CQC não apareceu pra fazer piadinha (quem tem medo das feministas más?). Danilo Gentilli ficou entrincheirado lá dentro até deixarmos o lugar. Quando não havia mais feministas más do lado de fora, finalmente deu as caras e disparou algumas cuspidelas pros jornalistas de plantão.


Poucas horas depois, a internet já estava cheia de nossos cartazes, nossas frases e nossa artilharia visual. Quando cheguei em casa, depois da comemoração, a hash tag (#MarchadasVadias) ainda estava lá no topo. Nas notícias, figuravam sem rodeios as palavras “machismo”, “violência contra a mulher” e “sexismo”. Em sete caracteres: sucesso.
O fato é que quem criou o evento no Facebook era o que menos importava ontem: a Marcha das Vadias aconteceria de qualquer forma, em um sábado ou em outro. Havia (há) muita coisa entalada, e a Slutwalk foi uma grande oportunidade de juntar muita gente que queria exteriorizar tudo isso.
Que as pessoas percam o medo da palavra feminismo. Que o movimento não se perca. Que nosso desejo de mudança continue nos reunindo no ciberespaço para articular ações fora dele. Nós continuamos em marcha e – vocês sabem, né… – é até que todas sejamos livres.

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