Ali
Kamel, todo poderoso da Globo, publicou livro para negar a existência
do racismo no Brasil, mas a programação da emissora que comanda,
desmonta sua farsa teórica. Personagem de Zorra Total expõe racismo
singularmente produzido pelas mídias televisivas.
Do blog Palavras Diversas
Do blog Palavras Diversas
Mais umas palavrinhas: Adelaide, a personagem de Rodrigo Sant’anna, do humorístico Zorra Total, da Rede Globo, abusa de estereótipos que denigrem a mulher negra e pobre.
Em uma de suas falas a personagem teria dito: “Durante a enchente não pude ficar sem minha palha de aço, daí corri atrás para pegá-la e quando vi, eram os cabelos da minha filha”.
Logo na emissora em que um de seus maiores executivos, Ali Kamel, lançou livro para negar que o Brasil seja racista...
A luta por uma sociedade sem preconceito racial ainda promete durar muito tempo, infelizmente.
"Adelaide" e o racismo camuflado em riso
Por * Marcio André dos Santos - Afrolatinidade
O personagem de
“Adelaide” não é uma novidade na dramaturgia brasileira. A construção de um
personagem negro, do sexo feminino e que tem como pretensão fazer as pessoas
rirem sem parar data de pelo menos 40 anos. O livro que inspirou o documentário
A Negação do Brasil de Joel Zito narra e analisa a presença dos negros na
televisão brasileira. Presença marcada pela subalternidade e preconceito racial.
Para quem nunca
viu este personagem do programa Zorra Total da TV Globo, “Adelaide” é uma
mulher negra, idosa e que entra no metrô pedindo esmolas e, consequentemente
“importunando as pessoas”. Além do reforço racista e sexista que o programa faz
em torno das mulheres negras e de todos os negros por extensão, em alguns episódios
“Adelaide” exala um cheiro ruim, ou pelo menos é isso que as cenas querem nos
comunicar. Imagine você na sala de estar, com sua família, crianças e de
repente aparece uma mulher negra, mal vestida e fedendo. Além do fedor, ela não
tem os dentes da frente e parece absolutamente ridícula... Todos riem às
alturas. É essa a intenção. O riso, magicamente, nos tira por uns instantes a capacidade
de perceber o horror por trás de tais cenas.
Eu
poderia
gastar muitas linhas aqui descrevendo as dezenas de cenas pejorativas
dessa
personagem, mas quero me concentrar em outro ponto: qual a ideia básica
que fundamenta esse personagem? O que lhe dá sentido? Qual a intenção de
um núcleo de profissionais de mídia e
comunicação ao construir, detalhe por detalhe, uma caricatura totalmente
negativa de uma mulher negra, idosa e pobre?
Dizer que é o
racismo talvez não seja suficiente. Sim, é racismo. Entretanto, é um tipo de
racismo singularmente brasileiro especificamente produzido pelas mídias
televisivas. Os especialistas que criaram tal personagem – as elites
editoriais, como diria Muniz Sodré – reeditam um imaginário surgido a pelo
menos duzentos anos atrás por literatos, jornalistas e políticos brancos e
ancoram nas plásticas vias do humor o pior do sentimento antinegro.
Existem
muitas
formas de definir e abordar o racismo. Pode ser visto como um
instrumento de
manutenção de privilégios econômicos; pode ser visto como sentimento de
superioridade ou então como mecanismo de preservação de lugares
simbólicos,
culturais e psicológicos de um grupo em relação a outro. Pode também ser
a mistura de tudo isso e até mesmo um
tipo antigo de desumanização. Por exemplo, o tráfico transatlântico de
escravos tinha como pressuposto a transformação de negros em coisas,
objetos,
seres sem alma e transcendência. Bichos, em suma. Opera-se assim um
processo completo de animalização que justica toda e qualquer
atrocidade.
“Adelaide” é
uma representação contemporânea da desumanização negra que, no limite, assegura
o privilégio da brancura, este artefato onipresente e multifacetado de poder. Privilégio
que se manifesta imagética e
ideologicamente e forja a realidade tal como querem que a vejamos: ora
manifestando-se sutil aos nossos olhos, ora completamente brutal.
“Adelaine” é
prova concreta de que o “mito da democracia racial” continua operando
(secretamente?) no cerne dos aparelhos produtores de imagens e imaginário
social. Faz-nos rir dos crimes mais chocantes de nossa história, em feixes
coloridos de um sábado a noite.* Marcio André dos Santos é
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