O suposto telefonema do presidenciável José Serra (PSDB) ao ministro
Gilmar Mendes, durante uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF),
levou a ONG Justiça Global e uma série de outras organizações de
direitos humanos a encaminhar uma denúncia para as Nações Unidas, devido
às suspeitas de falta de independência do magistrado. A ligação
telefônica, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, teria
ocorrido na quarta-feira 29, durante o julgamento de recurso do PT
contra a obrigatoriedade de o eleitor portar dois documentos no dia da
votação.
O recurso já havia sido acolhido por sete dos atuais dez ministros da
Corte (Eros Grau se aposentou e ainda não foi substituído) quando
Mendes decidiu pedir vistas do processo. No dia seguinte, votou contra a
requisição petista. De toda maneira, a votação terminou em oito votos
favoráveis e dois contra. E, agora, o eleitor pode se apresentar no
pleito com qualquer documento de identificação oficial com foto. Vitória
do PT, que temia que os eleitores de baixa renda e escolaridade
deixassem de votar em função da exigência de dois documentos.
Para as entidades que subscrevem a denúncia, o caso apresenta
indícios claros de interferência política nas decisões do Supremo. “Um
juiz da mais alta Corte do País não pode receber telefonemas de uma das
partes interessadas no meio do julgamento. Pediremos que as Nações
Unidas avaliem o caso e cobrem providências do governo brasileiro, para
que se faça uma investigação criteriosa dos fatos, inclusive com a
quebra judicial do sigilo telefônico se for o caso”, afirma a advogada
Andressa Caldas, diretora da Justiça Global.
De acordo com ela, o documento deverá ser encaminhado na tarde desta sexta-feira à brasileira Gabriela Carina de Albuquerque da Silva, relatora especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados, e ao Alto Comissariado das Nações Unidas. “Normalmente, encaminhamos esse tipo de denúncia apenas à relatoria da ONU, mas como a titular do cargo é brasileira talvez ela se sinta impedida de avaliar o caso”. Razões para isso não faltam, afinal Gabriela foi assessora de Mendes na época em que ele era presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Andressa ressalta ainda que o ministro Gilmar Mendes, ex-advogado
geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, foi acusado outras
vezes de atuar de forma parcial no Supremo. “Em diversos casos, o
magistrado se pronunciou antes de avaliar os autos do processo e emitiu
opiniões contestáveis, por exemplo, ao criminalizar a atuação de
movimentos sociais, como o MST”, afirma a advogada. “É por isso que está
tomando corpo um movimento pelo impeachment de Mendes. Não temos
posição firmada a esse respeito, mas consideramos que esse caso do
suposto telefonema de Serra ao ministro, durante o julgamento de um
recurso apresentado pelo partido de sua principal oponente nas eleições,
deve ser criteriosamente investigado. E, caso se comprove a falta de
autonomia, o magistrado precisa ser punido”.
Entre as entidades que subscrevem a denúncia, estão a Rede Nacional
de Advogados Populares (Renap), o instituto Ibase e a ONG Terra de
Direitos. Além de reportar o caso do telefonema de Serra, o documento
enumera outros deslizes do ministro e expõe sua estreita relação com
políticos ligados ao PSDB.
Por Rodrigo Martins - Carta Capital - 01.10.2010
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