Imagem: Prefeitura SP |
* Prof. José Carlos Vaz
O
prefeito Fernando Haddad terá a responsabilidade de lideraŕ o processo
de reconstrução das subprefeituras em São Paulo. Nos últimos oito anos, o
governo municipal andou para trás, destruindo o esforço inicial de
implantação de subprefeituras operado na gestão de Marta Suplicy. A
divisão do município em unidades de governo local com capacidade de
atuar sobre o desenvolvimento de seus territórios é um imperativo do
porte e da complexidade de São Paulo. Nesse sentido, as gestões de Serra
e Kassab realizaram um erro político e administrativo de dimensões
históricas, um retrocesso de efeitos dolorosos para a cidade.
Para
reverter o quadro, o novo governo municipal deverá criar um novo modelo
de subprefeituras, no qual o papel dos subprefeitos precisará não
somente ser ampliado, mas repensado, em direção à construção de governos
locais fortalecidos.
Há três
grandes papéis colocados para os subprefeitos: (a) atuar como líderes
dos processos de desenvolvimento local; (b) contribuir para o
alargamento da democracia em São Paulo e; (c) disputar a hegemonia no
pensamento político da população da cidade.
a) O subprefeito como líder dos processos de desenvolvimento local
A ideia
do subprefeito como “zelador” está, definitivamente, fora de cogitação.
O desafio é fazer com que o subprefeito assuma um papel de liderança
junto ao governo e à sociedade, mobilizando forças políticas e atores
sociais em torno de um projeto de desenvolvimento local que seja
construído com a participação popular.
Ao
fazer isso, os subprefeitos deverão ser capazes de captar a agenda local
de cada subprefeitura e articulá-la a ideias inovadoras. Somente
apontando para novos paradigmas de cidade será possível interroper o
ciclo de degradação da cidade. São Paulo hoje é uma cidade esgotada.
Vive uma profunda crise de qualidade de vida, da qual o colapso da
mobilidade e da segurança pública são as faces mais evidentes. O modelo
de cidade refém do capital imobiliário e do automóvel só trouxe
degradação e sofrimento. Se, nos governos locais, imperar a mentalidade
tacanha focada no curto prazo e nas soluçòes óbvias, apenas se fará mais
do mesmo. Talvez um pouco melhor, mas mais do mesmo.
As
desigualdades entre as subprefeituras fazem com que as agendas locais
sejam bastante diferentes entre si. Um desafio central e comum da
atuação dos subprefeitos deverá ser a transformação dos espaços
públicos. Boa parte da crise paulistana origina-se na subordinação dos
espaços públicos ao automóvel, à cultura do medo e às práticas de
repressão aos pobres. Repensar os espaços públicos significa resgatar
para o povo nossas praças, calçadas e parques públicos, tanto em seu
desenho e manutenção, como no seu uso efetivo pelos cidadãos. Significa
favorecer a expressão cultural e oferecer mais espaço de convívio.
Também pode ser uma forma de envolver mais os cidadãos com o governo,
através de práticas de gestão compartilhada de espaços e iniciativas.
Como
líder, promotor e guardião da estratégia de desenvolvimento local, o
subprefeito deverá assumir a tarefa de participar ativamente da
formulação e implantação das ações no território da subprefeitura. Para
isso, precisará ter pleno conhecimento das demandas, ligando-as à
estratégia de desenvolvimento local. Com isso, o governo poderá realizar
ações mais aderentes às reais necessidades locais. Isto vale tanto para
as políticas sociais, como para os serviços públicos e os investimentos
de infra-estrutura.
Outro
ponto que será vital para seu desempenho é a contribuição para a busca
de soluções de problemas estruturais críticos da cidade, como o colapso
da mobilidade urbana e a crise da segurança pública. Ainda que a solução
desses problemas fuja de sua alçada, os subprefeitos podem fazer ações
complementares e, mais ainda, liderar a sociedade local na proposição e
negociação de soluções.
b) A contribuição do subprefeito para o alargamento da democracia em Sào Paulo
A
atuação do subprefeito não pode deixar de contribuir para alargar a
democracia na cidade. Isto significa abandonar as tentações do modelo de
“entrega” de subprefeituras a vereadores, que nomeiam seus
representantes para administrar seu “feudo” através de seus capatazes.
Sem descartar a importância dos parlamentares e lideranças políticas
locais, não se pode reduzir as subprefeituras a uma extensão das
máquinas políticas dos mandatos. Essa prática acaba por minar a
capacidade de atuação da subprefeitura como efetivo governo democrático
local, e traz enormes riscos para a gestão municipal, tornando-a
indissociada dos governos conservadores.
Outorgar
aos subprefeitos a responsabilidade de liderar processos democráticos
de desenvolvimento local pode evitar que as subprefeituras funcionem
como agências de atendimento a demandas isoladas, facilmente capturadas
pelo clientelismo de esquerda ou de direita.
É
preciso criar mecanismos participativos e transparentes de planejamento
estratégico do desenvolvimento local que estruturem toda a ação da
subprefeitura e do governo municipal em cada território. O Orçamento
Participativo será decisivo, neste ponto, e deve ser prioridade dos
subprefeitos.
Da
mesma maneira, é preciso que as demandas sejam tratadas de forma
transparente, para que a população possa confiar no governo local como
capaz de priorizar as suas ações por critérios republicanos.
Alargar
a democracia significa também submeter-se ao controle social. Aqui, é
fundamental a implantação dos conselhos de representantes nas
subprefeituras. Também é importante que as subprefeituras abram-se para a
sociedade, através de práticas de transparência, por exemplo, através
da publicação da origem e ordem de atendimento de serviços.
A
criação de ouvidorias nas subprefeituras também contribuirá para a
ampliação do controle social. Ouvidores indicados após ser consultada a
sociedade podem auxiliar o subprefeito na identificação de problemas e
nos entraves da máquina pública para solucioná-los.
A
relação com os servidores municipais é outro elemento importante da
contribuição do subprefeito ao alargamento da democracia. O respeito às
organizações dos trabalhadores e a promoção de condições adequadas de
trabalho certamente auxiliarão o governo municipal a atingir suas metas,
mas também contribuirão para a profissionalização da força de trabalho
da prefeitura.
O
fortalecimento das práticas democráticas nas subprefeituras terá efeitos
não somente na melhoria do governo e de sua relação com a sociedade.
Também contribui para o fortalecimento dos movimentos sociais e da
sociedade civil, abrindo novos espaços para sua atuação e forçando-lhe a
se articularem para intervir nos novos espaços democráticos de
participação e controle social das subprefeituras.
c) A subprefeitura e a disputa da hegemonia na política da cidade
Tudo o
que foi apresentado até aqui também precisa ser compreendido do ponto de
vista da disputa pela hegemonia política em São Paulo. O PT e a
esquerda enfrentam uma encarniçada batalha no bastião das forças
conservadoras e reacionárias do Brasil. A atuação do subprefeito precisa
levar essa variável em conta, reforçando seu papel de face do governo
mais visível e mais próxima do cidadão.
A
capacidade de estabelecer práticas realmente democráticas na
subprefeitura cumprirá o papel de aproximar ou reaproximar o PT e as
forças de esquerda de vários segmentos da população, especialmente
porque permitirão a politização da gestão pública, evidenciando as
diferenças de projetos e de capacidade em relação aos governos
conservadores. Estes procuram sempre, por meio de seu discurso e da
imprensa, despolitizar a gestão pública pelo recurso à figura do
“gestorzão competente, técnico e racional”. A esta figura ideologizada e
enganadora, devemos contrapor a figura do subprefeito como líder de uma
equipe de governo local capaz de dar visibilidade às disputas e
encaminhar sua solução democraticamente em benefício da maioria da
população, sem deixar de lado a eficiência na gestão e o domínio
técnico-político das principais questões da subprefeitura.
O
subprefeito, na disputa pela hegemonia a ser travada, deverá, de acordo
com as características de cada localidade, atuar para reduzir e, onde
possível, reverter resistências ao PT e à esquerda. Assim, o subprefeito
precisará criar canais de interlocução junto a setores médios, além de
ofertar soluções inovadoras a temas críticos para esses setores (por
exemplo, mobilidade, atenção a idosos, revitalização de espaços
públicos).
Sua
atuação também deve atrair para o projeto do governo, do PT e da
esquerda novos setores sociais. Nesse tópico, a juventude merece
especial destaque, além dos grupos beneficiados pelas políticas públicas
municipais e federal.
A
disputa pela hegemonia exigirá, também, a recuperação da credibilidade
do PT e da esquerda junto àqueles que se afastaram do partido e, mesmo
mantendo ideias progressistas, caíram na armadilha do descrédito na
política produzida pelos conservadores. Aqui, a firmeza ética, o zelo
pelos recursos públicos, a transparência e a postura democrática serão
ingredientes decisivos.
A
disputa pela hegemonia passa também por uma postura ativa no campo da
cultura. Não se trata, aqui, de dirigismo ou de cooptação dos artistas e
produtores culturais. O que é importante é que os subprefeitos sejam
capazes de abrir espaço para o acesso de todos à cultura, fortalecendo
os artistas e produtores, profissionais ou amadores, estimulando a
circulação de ideias e o pensamento crítico. Ao dar voz à periferia, à
juventude e aos marginalizados, mais espaço se abre na luta contra a
direita.
Não basta um governo melhor; é preciso ser um governo diferente
Exercendo
esses papéis, os subprefeitos contribuirão para que o governo de
Fernando Haddad fique marcado positivamente na história da cidade como
um governo que avançou na área social, no desenvolvimento e modernização
da gestão pública.
Mas
isso não é tudo. Um governo de esquerda não pode apenas fazer melhor o
que a direita já faz. Precisa avançar na ampliação dos direitos e na
radicaĺização da democracia, sob a pena de confundir-se com os governos
do centro e da direita.
Portanto,
a condução do processo de reconstrução das subprefeituras não pode
esgotar-se nestes pontos. É preciso que, ao longo dos próximos quatro
anos, se construa um modelo que consolide esse novo papel mas também
radicalize a democracia, com a criação dos conselhos de representantes
nas subprefeituras e com a criação de novas formas de escolha dos
subprefeitos. Esta decisão deve passar a combinar competências políticas
e gerenciais, afinidade com o projeto do governo municipal e
participação da sociedade em sua escolha.
Professor José Carlos Vaz é Professor da Universidade de São Paulo - Escola de Artes, Ciências e
Humanidades (EACH-USP), no curso de Gestão de Políticas Públicas.
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