Marcio Pochmann - 09.05.2012
(*) Marcio Pochman |
Na segunda metade do século XVIII, o aparecimento da primeira
Revolução Industrial deu início à transição da sociedade agrária. As
bases da nova sociedade urbano-industrial impuseram significativos
ganhos de produtividade no trabalho, decorrentes da emergência do novo
padrão de produção e do consumo associado ao uso intensivo de carbono.
Com isso, a expansão da base material da economia foi tornando possível
elevar o padrão de bem-estar social por meio de grandes lutas sociais e
políticas, como no caso de modalidades emancipatórias na condição de
trabalho pela sobrevivência. Diante da elevação da expectativa média de
vida para mais de 50 anos de idade, houve importante redução da carga
horária de trabalho dos segmentos sociais ativos e proteção aos riscos
do trabalho penoso.
Por meio da captura de parte do excedente econômico gerado pela
sociedade urbano-industrial, responsável pela expansão do fundo público,
tornou-se possível viabilizar o financiamento da inatividade de
crianças, adolescentes e idosos por meio de uma garantia generalizada de
serviços (saúde, transporte e educação públicos), bens (alimentação,
saneamento e moradia) e rendas (bolsas e subsídios). Uma vez concluída a
formação para o trabalho (até os 15 anos de idade), tinha início o
exercício do trabalho durante 30 a 35 anos, com contribuição ao fundo
público capaz de permitir a imediata passagem para a inatividade
(sistema de aposentadoria e pensão que legava viver sem mais depender do
mercado de trabalho). Isso se tornou mais evidente desde o final do
século XIX, com o avanço da Segunda Revolução Tecnológica, que,
simultaneamente à ocorrência da Depressão entre 1873 e 1896, abriu lugar
à nova disputa entre nações emergentes pela sucessão da liderança
inglesa. Alemanha e Estados Unidos despontaram com o protagonismo da
industrialização retardatária, com ganhos de produtividade superiores a
todos os demais países. A solução final, todavia, ocorreu mais tarde,
após a realização de duas grandes guerras mundiais, em que a Alemanha
foi derrotada sucessivamente.
No contexto da Guerra Fria (1947–1991), mesmo com a presença da
União Soviética, os Estados Unidos estabeleceram seu modo de vida
(american way of life) como forma de dominação global. Mas a crise da
produção em 1973 logo passou a apontar os limites do americanismo,
concomitantemente ao impulso emergente das economias da Alemanha e do
Japão. A contrareforma neoliberal do final da década de 1970 permitiu
aos EUA retomar com mais força sua hegemonia por meio do
reposicionamento do Japão à condição secundária (longa estagnação na
década de 1990), da reacomodação da Alemanha no quadro das exigências de
sua reunificação e consolidação da União Europeia e, ainda, do
estrangulamento das experiências de socialismo real (desarticulação da
União Soviética).
A condução da política neoliberal estadunidense pós-crise de
regulação da década de 1970 se mostrou suficiente para se antepor ao
fervor japonês e alemão, bem como levar à exaustão a experiência de
socialismo soviético. Esse êxito, contudo, foi portador da corrosão das
bases produtivas do capitalismo norte-americano, o que fez repetir,
guardadas as proporções, a trajetória inglesa do final do século XIX, de
contaminação pelo vírus da improdutividade da financeirização da
riqueza. Paralelamente, parte da Ásia confirmou, por intermédio de
experiências nacionais, a constituição de uma nova fronteira de
expansão, as novas fontes de dinamismo do capitalismo global. Justamente
China e Índia, que foram, em especial, os dois grandes territórios do
planeta que perderam em função do avanço da hegemonia inglesa e
estadunidense na primeira e segunda Revolução Industrial e Tecnológica,
voltaram a se tornar emergentes diante da implantação de experiências
associadas ao planejamento central e vigor do Estado. Reformas
realizadas desde a década de 1980 foram tornando esses países
referências à expansão capitalista, com crescente deslocamento da
produção industrial ocidental para a Ásia, concomitantemente ao avanço
da Terceira Revolução Industrial e Tecnológica.
Por outro lado, a América Latina, África e parcela dos países da
Europa Oriental foram os maiores perdedores durante quase três décadas
de hegemonia das políticas neoliberais. A despeito disso, o Brasil, só
mais recentemente, ressurgiu como alternativa em disputa na recuperação
econômica para além do centro capitalista mundial. No contexto da
sucessão de crises econômicas e financeiras mundiais após 1973, alguns
poucos países fora do eixo das economias desenvolvidas apresentaram-se
em condições de liderar um novo ciclo de expansão produtiva. Essa
possibilidade histórica encontra-se aberta ao mundo diante do curso da
transição da sociedade urbano-industrial. Na sociedade pós-industrial em
construção, o conhecimento pode se tornar um dos principais ativos da
propulsão do desenvolvimento, cujo avanço da produtividade pertence ao
comando do processo de desmaterialização das economias. Sob estas
condições, depositam-se as possibilidades adicionais da maior libertação
do homem do trabalho pela sobrevivência, por meio da postergação do
ingresso no mercado de trabalho para depois do cumprimento do ensino
superior e da oferta educacional ao longo da vida.
O excesso da produção, não mais a escassez, parece expressar a
sociedade ancorada no trabalho imaterial e no conhecimento, o que
possibilita gestar um novo padrão de produção e consumo que não mais
protagoniza a degradação ambiental. A sustentação do meio ambiente ganha
importância com a necessidade de mudança do atual modelo de produção e
consumo, estimulado pelo processo maior de desmaterialização das
economias modernas. Nada, contudo, está definido. Há tendências que
podem ser confirmadas à medida que os sujeitos históricos apresentam-se
capazes de construir seus próprios caminhos, orientados pela
consolidação da liderança econômica, social e ambiental no atual cenário
mundial pós-neoliberal em disputa.
Este artigo é parte integrante da edição 109 da revista Fórum
* Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e professor livre-docente licenciado na área de economia social e do trabalho e também pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.
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