2 de fev. de 2011

Quem faz revolução é gente. Não coisifiquem a revolução!

Interessante discussão no Twitter sobre o peso da internet na revolução egípcia que, 8 dias depois de seu início, ainda não tem conclusão possível. Quem disser que sabe aonde vai dar estará mentindo.


O debate começou entre @caribe, o ciberativista fusion João Carlos Caribé (o blog dele, Entropia, lembra meus primórdios na internet: em 1993, quando cheguei à rede pelas mãos do Sérgio Charlab, lá no velho JB, ela era puro texto; quando apareceu a web gráfica, pouco depois, um dos primeiros sites com imagens foi um tal Entropy, impressionante, chocante, que me sinto incapaz de linkar agora porque a net é hoje uma loucura entrópica). Pois bem, @caribe discutia com @ALuizCosta, o escritor e humanista Antonio Luiz Costa, colunista da CartaCapital, sobre o peso da internet nos protestos em curso no Egito. Duas pessoas de esquerda.

@ALuizCosta dizia frases assim:
* A internet é útil, mas não está só a seu/nosso favor. É um instrumento de espionagem e controle de empresas e governos, também
* A internet foi bloqueada e não fez diferença alguma para os protestos. Mubarak iludiu-se, como vocês
* Não foi preciso internet para derrubar a Bastilha, lembra?
* Da demissão de Necker (11 de julho) à queda da Bastilha (14 de julho) foram três dias. Nada mau 
*  Página 1/26 de panfleto egípcio "Como protestar de maneira inteligente", via @yurikropotkin 
*  Página 26/26 do panfleto egípcio "Como protestar de maneira inteligente", via @yurikropotkin
* Parece que Mubarak comprou o mito de que há "revoluções por Twitter", tanto que derrubou a web. Mas só prejudica a economia
* A rede está fora do ar há dias e os protestos são cada vez maiores. E a maioria dos egípcios nem tem acesso à internet
@caribe dizia frases assim:
* Ja falaram, com a Internet toda revolução é mais rápida, democrática e eficiente
* E não entendo esta dificuldade de alguns de entender a Internet como a maior ferramenta de democracia de todos os tempos
* E digo mais, é impossivel hoje em dia qualquer mobilização daquele porte sem uma comunicação em rede
* Por fim acreditar naqueles papeis chega a ser inocente, ainda mais pensar que eles não serão interceptados
Aqui no Brasil mesmo, paramos o AI5digital usando Twitter, Orkut, Blogs e email.
* É a sindrome de Gladwell/Keen - Alias o povo ainda enxerga a rede e as ruas como duas coisas estanques.
E recomendou textos e mais textos e mais textos e mais textos interessantíssimos para que "entendamos" o poder da rede. E quem não entende esse poder não passa de um conservador inconformado com essas óbvias mutações. Ele diz, por exemplo, isso:


Ou seja, a internet é deus (como todo bom nerd ele usa até maiúscula na inicial de internet; aposto que não usa para jornal, televisão, rádio, cassete, máquina fotográfica... sou iconoclasta em matéria de caixa alta, como boa filha do velho JB, que mantinha saudável desrespeito a tudo e todos -- do presidente ao papa, é caixa baixa, exceto em nome próprio). A internet é quase que meio e fim, a razão pura, o 42 do Mochileiro das Galáxias.

Difícil concordar inteiramente; não sou adoradora da internet não, eu uso a internet, e pra caramba! Já o @ALuizCosta, tuiteiro "contumaz", de repente estava minimizando ao máximo o papel das redes, até exagerando, como não raro nos acontece sob pressão. Olhem só este tweet:


Claro que panfletos podem ser interceptados, assim como a internet pode ser derrubada (no Egito, bastaram alguns telefonemas de Mubarak e sua quadrilha, encastelada no poder há 30 anos e disposta a mantê-lo). Mas graças à internet posso ver a Jazeera em inglês, acompanhar os acontecimentos pelo Twitter, assinar uma petição de apoio, ler os textos sensacionais do Robert Fisk e do Pepe Escobar. O mundo pode dar seu apoio aos manifestantes e Mubarak não pode mais esconder seus segredos, como tenta pateticamente sua patética TV Nile.

Só que o buraco é mais embaixo. @ALuizCosta indicou apenas um texto -- The Twitter Revolution Must Die --, um desses textos que caem na nossa cabeça pela força da gravidade e fazem diferença em nossas vidas. Ulises Mejias, o autor, professor-adjunto da Suny Oswego (State University of New York at Oswego), considera que ambos os lados deste eterno debate (a internet como o Olimpo de Zeus ou o Submundo de Hades) sofram do que chama de "determinismo tecnológico". Para ele, a resposta está no meio, porque tecnologia e sociedade mutuamente e continuamente influenciam uma à outra, ufa!, e esse discurso sobre a alegada revolução das redes sociais é apenas outra forma de despolitizar nossa compreensão dos conflitos, de encobrir o papel do capitalismo na supressão da democracia. Ufa! Ufa! "Que poderosa afirmação de nós mesmos acreditar que as pessoas envolvidas numa luta desesperada pela dignidade humana estejam usando os mesmos produtos da web 2.0 que nós usamos!" Ufa! Ufa! Ufa! E por aí vai (TRADUZIDO AQUI). Mas o melhor estava no princípio: "Você já ouviu falar da revolução da Leica? Não?" Ele fala da Revolução Mexicana, a primeira obsessivamente fotografada, e prossegue:
"(...) Meu sarcasmo é, naturalmente, mal velada tentativa de apontar o absurdo que é, na referência aos eventos no Irã, na Tunísia, no Egito e em outros lugares, como a Revolução do Twitter, a Revolução do Facebook e assim por diante. O jeito com que chamamos as coisas, os nomes que usamos para identificá-las tem um poder simbólico incrível e eu, por exemplo, recuso-me a associar marcas corporativas às lutas pela dignidade humana. Concordo com Jillian York, quando ela diz:
"(...) Estou contente que os tunisianos tenham sido capazes de usar as mídias sociais para chamar a atenção para sua situação. Mas não vou desonrar a memória de Mohamed Bouazizi [que se incendiou nos protestos] ou a dos outros 65 que morreram
por suas causas nas ruas, por isso, nada de dublagem, não chamarei isto de outra coisa a não ser de revolução humana."

UAU! Já tinha me metido no papo das duas feras um pouco do lado do @ALuizCosta pra defender o poder "das ruas", que no passado deve ter sido declanchado até a partir de sinais de fumaça, um pouco do lado do @caribe, porque a internet, de fato, facilita as coisas. Só que estava na minha cabeça, a partir de uma tuitada alheia de dias atrás que não arquivei, a teoria da revolução de Marx, esse gênio que enquanto errava feio na Alemanha profetizava tudo o que estamos vendo no mundo há uns 160 anos. E achei um ensaio, A Comuna de Paris e a teoria da revolução em Marx: Do balanço na "Guerra civil em França" às conclusões de Engels no "Testamento" de 1895, de Valério Arcary, que é doutor em História Social (e do PSTU...), cujo último parágrafo é o seguinte:
"Assim como a crise econômica incide sobre as lutas de classes, porque abre e precipita a crise social, as lutas de classes, a maior insegurança ou maior determinação de cada classe social na defesa de seus interesses, também incide sobre o processo econômico, aprofundando as tendências à crise ou favorecendo a recuperação." 
Aí estão as palavrinhas mágicas. Luta de classes. Todos sabem como sou fanática pela rede, como festejo esse poder imenso (quase o mesmo da CIA, hahaha!), mas revolução pela internet? Sou conservadora por achar que nossa humanidade seja a força que move essa doideira de mundo? E que a luta de classes é que bombeie as transformações? Então, sou. A humanidade nas ruas, resistindo, é a força que (ok, vou ser antiga!) hardware, o que você chuta, ou software, o que você xinga, algum pode substituir. Ajuda nos combates, demais. Mas a luta de classes empurra e a gente faz.

E viva a revolução! 

 Por Marinilda - Zumbaia Zumbi - 02.02.2011 


Do Teia Livre

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