28 de jan. de 2011

A Profissão do Futuro


Por Cristian Adolfo - Teia Livre -26.01.2011

Neste final de semana, acordei e li no jornal Zero Hora o seguinte: “Paralisação de garis atrasa coleta de lixo em Porto Alegre”. Atrasou. E um dia só. Mas era sair na rua que qualquer pessoa, sem nem saber ler, já sabia que o caminhão do lixo não havia passado na noite anterior. Todo lixo atrasado estava lá, intacto. Os trabalhadores, que reivindicavam melhorias nas condições de trabalho, acabaram voltando ao serviço no mesmo dia da manchete. Vai ver foram atendidos, pensei.
Passado o descanso, chega a segunda-feira e vejo na internet outra notícia: “Catadores receberão cursos gratuitos para poderem seguir vidas melhores”. Resumindo, a empresa responsável pela coleta havia ficado sem graça com as exigências dos empregados, resolveu dar um dinheirinho a mais e pagar um curso pra eles poderem seguir novas carreiras. Ou seja, praticamente disseram que se quiserem boas condições de trabalho, terão que arranjar outra coisa para fazer. Depois, contratam outros garis, pois candidatos não faltam. Desavisados, pois não sabem o que lhes aguardam.
Agora, você já parou pra pensar que aquela quantidade de lixo que juntamos com nossos vizinhos e que foi facilmente notada em vários bairros de Porto Alegre no final de semana se repete ao final de todo santo dia? Imagine então o lixo da sua cidade inteira, que a cada dia se renova e tem que ser recolhido novamente. Parece uma tarefa importante para o bom funcionamento de uma cidade, não? E de fato é. Sem isto, nossas ruas seriam um lixão a céu aberto. Muito provavelmente só fomos dar valor a ela após a terrível peste negra, que assolou um terço da população mundial da época da Idade Média, segundo os livros de história. Criou-se a coleta do lixo, que deposita os dejetos hoje em aterros sanitários, e, desde então, estamos livres destas desgraças. Graças aos catadores.
Em qualquer tipo de negócio, incentivar a evasão de trabalhadores insatisfeitos ao invés de tratar pela melhoria das condições de trabalho deles é, no mínimo, uma atitude irresponsável. Vinda de uma empresa cujo serviço é ícone de responsabilidade ambiental então, é algo inadmissível. E isso não acontece apenas no Rio Grande do Sul. Tanto é que um dos documentários brasileiros mais badalados, Lixo Extraordinário, recentemente indicado ao Oscar, se passa no ambiente deste assunto. Ainda não tive o prazer de assistir, mas, apesar de não ser seu foco, o longa retrata as condições a que são submetidos estes trabalhadores tão essenciais para o equilíbrio do nosso país.
O descaso com este tipo de emprego (isso se for considerado tal), nada mais é do que a reflexão do jeito brasileiro de ser: atento a coisas mundanas e pessoais, e alheio ao que realmente importa. Dar atenção ao atrasado e mal administrado processo de coleta de lixo tem que estar dentro dos planos de qualquer cidade do mundo. Muitas vezes mais importantes do que nossos próprios empregos, os catadores tem a obrigação de trabalharem em um ambiente sujo, expostos a restos contaminados e capazes de transmitir doenças. Além disso, ganham pouco. E o lixo, do qual seus empregos dependem, não dá muitos sinais de estar reduzindo de volume nem mesmo de ser separado corretamente pela população.
Felizmente, casos raros de bondade ecológica também tem acontecido. Depois de um processo a ritmo muito lento, Belo Horizonte está finalmente anunciando para o final de fevereiro a extinção das sacolas plásticas nos comércios da cidade. Em breve, capitais como Fortaleza e São Paulo também vão iniciar este projeto em grandes lojas de varejo. Ao que tudo indica, a terrível carga de trabalho dos garis e catadores parece estar melhorando. Senão, pelo menos começando a ser notada. Afinal, após quinhentos anos do fim da Idade Média, é de se esperar que haja a tão merecida valorização dessas funções em nossa sociedade. O que um dia de cheiro ruim não faz, né?

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