17 de fev. de 2010

Alckmin e o desmonte do Estado

Altamiro Borges - NovaE - 26.10.05

Confirmado o segundo turno, é bom refrescar a memória para conhecer as três principais marcas do candidato Geraldo Alckmin: desmonte do Estado, insensibilidade social e autoritarismo exacerbado.
O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chega ao segundo turno da sucessão presidencial com o ostensivo apoio de banqueiros, dos barões do agronegócios e das elites empresariais. Segundo reportagem recente do jornal Financial Times, “ele é o preferido dos círculos financeiros de Wall Street”. A revista da poderosa Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) publicou uma edição só para bajular o candidato tucano. Já os ruralistas espalharam adesivos no país inteiro com o slogan “Lula, a praga da agricultura”.

Mas, afinal, o que representa o ex-governador? Como um administrador aparentemente tão anódino – um “picolé de chuchu”, segundo a famosa e corrosiva ironia do jornalista José Simão – adquiriu tanta força política e prestígio entre as classes dominantes? Um breve relato da política aplicada em São Paulo ajuda a entender esta opção nitidamente de classe da nata burguesa. Confirma que o segundo turno das eleições presidenciais será altamente polarizado, com uma explícita demarcação de campos.

Locomotiva parada


No século passado, São Paulo ficou conhecida como locomotiva do Brasil. Por distintas razões históricas, o Estado adquiriu forte dinamismo econômico e deu impulso ao desenvolvimento nacional. Hoje, com 37 milhões de habitantes, ele ainda é responsável por 32,6% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de um terço de tudo o que se produz no país, por 32% das exportações e por 45% das importações. A sua receita, provinda de tributos diretos e indiretos de seus cidadãos, é de R$ 62,2 bilhões. O Estado concentra 51,6% dos salários industriais do país e aloja sete dos 10 maiores bancos e oito das 10 maiores seguradoras.

Toda essa pujança econômica, porém, foi emperrada pelo medíocre e prolongado reinado tucano. O peso de São Paulo no PIB nacional, que atingiu 39,5% em 1970, no auge da sua expansão industrial, teve uma queda abrupta. Hoje, o Estado não tem projeto estratégico de desenvolvimento e a locomotiva está parada. Sem crescimento sustentado, o território que já seduziu brasileiros de todos os cantos se tornou um centro dos desempregados. O outrora pólo mais dinâmico da economia virou um cemitério das indústrias. Sob o pretexto da crise financeira, o tucanato promoveu o desmanche do Estado para saciar os banqueiros.

Desmonte do Estado


Com Geraldo Alckmin, antes na presidência do Programa de Desestatização e hoje como governador, São Paulo foi privatizada – perdeu o Banespa como banco de fomento, a Fepasa (ferrovias), o Ceagesp (centro de abastecimento), a Eletropaulo (geradora da energia), a Comgás e a Companhia Paulista de Força e Luz. Já a companhia de saneamento (Sabesp), o banco Nossa Caixa e outras instituições foram fragilizadas com a venda irresponsável de ações, e a extensa malha rodoviária foi entregue a preço de banana para empresas que multiplicam pedágios e assaltam os usuários nas tarifas – sem qualquer controle público.

Apesar do violento desmonte, rotulado pelos tucanos de “reengenharia”, a crise financeira só se agravou. Os recursos obtidos com as privatizações, R$ 32,9 bilhões, sumiram no ralo dessa suspeita gestão. Em janeiro de 1995, no início do primeiro governo tucano, a dívida pública era de R$ 34 bilhões; no início de 2006, era de R$ 123 bilhões, quase duas vezes sua receita liquida. O Estado está mais pobre e debilitado, sem capacidade de investimentos, e vive aprisionado a uma dívida que consome mais de R$ 5 bilhões ao ano e que sugará seus recursos pelos próximos 30 anos. Sua decadência regional será ainda mais intensa!

Rombo nos cofres públicos

Diante deste descalabro, Cláudio Lembro, sucessor de Alckmin, chegou a enviar ofício aos secretários proibindo novos investimentos e determinando “redobrada atenção do governo” e “rigorosa austeridade nos gastos públicos”. Segundo balanço oficial, em setembro passado o rombo nas contas do estado atingiu R$ 1,2 bilhão. Como ironiza o deputado petista Devanir Ribeiro, “se ele deixou este rombo em São Paulo, imagine o que ele faria com o Brasil. Se a média fosse de R$ 1 bilhão por estado, encerraria seu mandato com um rombo de aproximadamente R$ 27 bilhões. Se ele raspou o caixa e entregou o governo para o seu sucessor com um rombo difícil de ser saldado, o que ele faria com o Brasil?”.

Segundo recente estudo do economista Marcio Pochmann, mantida a atual política de corte neoliberal, o PIB per capita de São Paulo cairá da terceira posição no ranking nacional para 11º lugar até 2012, com efeitos dramáticos sobre o emprego e a renda dos paulistas. Já uma minoria parasitária, que vive dos juros dos títulos da dívida pública, terá maiores privilégios. O número de famílias ricas em São Paulo saltou de 191 mil para 674 mil nas duas últimas décadas – pulou de 37,8% para 58% do total de famílias abastadas no Brasil. “Grande parte da elite paulista encontra-se submersa no pacto neoliberal, enquanto beneficiária da financeirização. A riqueza não é mais distribuída entre os vários elos da cadeia de produção. Ela fica concentrada nas famílias de banqueiros e nas pessoas que as rodeiam”, garante o renomado economista.

Expoente ultraliberal


Esta breve e deprimente história revela as duas marcas principais da orientação econômica do governador Geraldo Alckmin, agora candidato à presidência da República. Por um lado, o brutal arrocho fiscal, com a redução dos investimentos estatais visando explicitamente saciar a gula dos credores da dívida. Por outro, a criminosa política de privatização do patrimônio público também com a obsessão de transferir renda aos círculos financeiros. Não é para menos que logo no anúncio da sua candidatura, ele fez questão de afirmar que um dos motes da sua campanha será o da tal “eficiência econômica”, com a diminuição do papel do Estado e o estimulo ao mercado. Em síntese, ele representará o ultraliberalismo na batalha sucessória!

No caso de São Paulo, essa orientação econômica teve efeitos trágicos. O Estado virou um inferno para os trabalhadores e um paraíso para as corporações financeiras. A burguesia paulista é hoje a expressão maior do rentismo e do parasitismo. Não tem qualquer projeto de desenvolvimento nacional; ela vive de renda e esbanja opulência. Isto explica porque ela ficou tão animada com o segundo turno da eleição presidencial. “Só recebo elogios da administração Alckmin”, exaltou Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). “Se o programa de governo de São Paulo for ampliado para o Brasil será muito positivo”, festejou o camaleão Paulo Skaf, presidente da poderosa Fiesp.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).

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