14 de set. de 2009

Sob temporais, falhas de estrutura e de emergência ameaçam São Paulo

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Capital não tem nem 1 agente da Defesa Civil para cada área de risco; Prefeitura teve de admitir dificuldades

Renato Machado e Vitor Hugo Brandalise - O Estado SP

O temporal de terça-feira pegou de surpresa meteorologistas, o poder público e a população, causando caos e morte em São Paulo. Por outro lado, as chuvas de dezembro, janeiro e fevereiro são bem conhecidas e viraram sinônimo de enchente. E algumas cenas devem se repetir. Se a Prefeitura diz ter intensificado serviços e concluído obras importantes, investimentos em algumas áreas foram reduzidos e a população cresce em locais sem estrutura.

A morte de duas crianças após um deslizamento de terra na Favela Araucária, na zona leste, é o exemplo mais recente de um dos principais dramas das chuvas. A cidade tem 477 áreas de risco à beira de morros e encostas, onde vivem 57,5 mil pessoas. “A retirada dessas famílias não é a solução, pois elas ou outras retornam. Por isso a Prefeitura prefere eliminar os riscos nesses locais”, diz o assessor técnico da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, Marcel Costa Sanches.

O monitoramento das áreas para detectar tragédias é feito pela Defesa Civil, mas seu efetivo é inferior ao número de locais de risco. São 300 agentes divididos pelas 31 subprefeituras. O órgão tem apenas 45 viaturas, 11 delas no comando central. Portanto, nem todas as unidades das subprefeituras têm veículos.

“Não deixamos de realizar as atividades, pois possuímos um programa em que as viaturas são deslocadas para determinados locais de acordo com a necessidade. A Subprefeitura da Sé, por exemplo, não tem viatura porque privilegiamos áreas com risco”, diz o coordenador da Defesa Civil, coronel Orlando Camargo Filho. Após o caos recente, o prefeito Gilberto Kassab entregou três unidades inteligentes para o órgão, com computadores e equipamentos de resgate. Até o fim de outubro, outros 20 veículos serão repassados pela Guarda Civil Metropolitana, que receberá novas unidades.

Para compensar o efetivo menor, foram criados os Núcleos de Defesa Civil (Nudecs). Moradores de diversas comunidades são treinados para identificar riscos e alertar o órgão e os bombeiros. A cidade tem cerca de cem Nudecs.

A própria administração admite as dificuldades. Anteontem, Kassab disse que há falhas no sistema de emergência, “pego de surpresa” pelo temporal. Por isso, segundo o prefeito, não houve alerta à população para que tomasse “certos cuidados”, como evitar deixar lixo na rua.

O outro problema de difícil solução é o trânsito nos dias de chuvas fortes. Assim que a situação passa de estado de observação para atenção, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) põe em prática o Plano Emergencial. Primeiro, os agentes são destinados para 61 pontos onde tradicionalmente há alagamentos. Vias são bloqueadas. A prioridade é a segurança dos motoristas e por isso o fluxo muitas vezes fica comprometido. Além disso, a CET ainda não tem como informar os motoristas sobre rotas alternativas.

As chuvas também causam panes nos semáforos. A maior parte é do tipo eletromecânico, mais antigo e não integrado à central da CET. É preciso que um agente veja ou um motorista informe o problema.

Uma das causas apontadas para o alagamento foi o excesso de lixo nas ruas, intensificado pelo corte de 20% na verba de varrição. Em casos de enchente no Rio Pinheiros, por exemplo, há dificuldade em bombear água para a Represa Billings, por entupimento provocado por lixo. “A impermeabilização do solo, que toma 80% da capital, também é causa direta de tudo o que vimos”, diz o professor José Rodolfo Martins, especialista em drenagem urbana do Laboratório de Hidráulica da Poli-USP.

A construção de piscinões, com prioridade para o sistema do Alto Tietê, também está defasada, principalmente na região do ABC, no entorno dos Rios Tamanduateí, Pirajuçara e Aricanduva - dos 61 piscinões projetados para esses três pontos desde 1994, apenas 25 foram finalizados.

Em xeque, o excesso de lixo e o corte de garis

Em volume oposto, eles estão por aí


Mesmo com o uniforme laranja ou amarelo, com o carrinho e o boné no mesmo tom, eles já foram tachados de invisíveis. Fazem, esgueirando-se pelo meio-fio e entre carros e barracas, o trabalho que é sujo, mas que alguém tem de fazer. E só se tornam protagonistas assim: quando São Paulo fica debaixo d”água e cogita-se que um dos motivos seja que o lixo da cidade não esteja sendo varrido e recolhido na mesma velocidade com que é produzido.

De fato, os garis não estão dando conta. Especialmente depois da demissão de mais de 2 mil varredores por conta dos cortes orçamentários da Prefeitura - que agora serão revistos pelo prefeito Gilberto Kassab. Hoje, a proporção é de um varredor para 1.743 habitantes e os trabalhadores do setor ameaçam com greve. A limpeza da região central, que era realizada por 1.600 garis, conta agora com 1.272. Do Mosteiro de São Bento ao Parque D. Pedro II, a reportagem circulou por mais de uma hora na sexta-feira e, além de não encontrar um varredor sequer, detectou pouquíssimos cestos de lixo. Fácil de encontrar foram bueiros tapados por copos, cascas de fruta e muitas, mas muitas bitucas de cigarro.

A Rua 25 de Março é um ponto histórico de acúmulo de lixo e um convite a alagamentos. Não foi diferente na terça-feira. “Ficamos até o joelho de água. E claro que o lixo é culpado. Faz duas semanas que não vejo gari por aqui”, exagera Valmira Furlan, dona de uma banca de jornais. O vendedor de quentinhas duas esquinas adiante reforça a reclamação. “Antigamente, passava um de duas em duas horas. Agora, não vem ninguém.” A Prefeitura rebate, dizendo que “os locais com maior circulação de pessoas são, naturalmente, mais propensos a ter maior produção de lixo. Na 25 de Março, há três turnos de varredores, 24 horas por dia”.

Os garis preferem não se identificar. Mas consentem quando questionados sobre o trabalho ampliado. “Faz um mês que o setor que eu cuido dobrou. Foi de 5 para 10 quarteirões”, conta uma varredora. Ela faz quatro varrições em seu turno, das 6h às 14h20. Orgulhosa, completa que nunca levou bronca. “Deixo aquele Mercadão um brinco.” “E as pessoas tratam a gente muito mal. O pior é quando passam pela gente e tampam o nariz, pra mostrar que a gente fede”, diz outra varredora.

Vários colegas delas já foram para a rua - e não para varrer. Josué recebeu aviso prévio na segunda-feira. “Tenho dois filhos pequenos”, conta, apressado, ainda de uniforme, rumo à escola do mais velho. “Já estou na luta para arrumar outro trabalho.”

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