13 de jun. de 2009

Educação - Brasil precisa enfrentar desafio do analfabetismo funcional

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2007 - 14 milhões de analfabetos vivem hoje no País - 12.05.09

Por Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil - 13.05.09

Além de reduzir o percentual de brasileiros que não sabem ler e escrever (10%), o País tem o desafio de combater o chamado analfabetismo funcional, que atinge 25% da população com mais de 15 anos, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Há diversos conceitos para classificar o analfabeto funcional. Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), é o indivíduo com menos de quatro anos de estudo completos.

O analfabeto funcional, em geral, lê e escreve frases simples, mas não é capaz de interpretar textos e colocar idéias no papel. "De certa forma, eu avalio que é um problema maior do que o analfabetismo absoluto, porque este vem sendo reduzido. Mas o analfabetismo funcional só cresce", avalia a diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro (IPM), Ana Lúcia Lima.

O IPM, que é um braço do Ibope, criou em 2001 o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), em parceria com a organização não governamental Ação Educativa. O índice mede os níveis de analfabetismo funcional na população entre 15 e 64 anos. Para isso, de dois em dois anos, são aplicados testes e questionários a cerca de 2 mil pessoas em todas as regiões do País.

O Inaf divide a população em quatro níveis, de acordo com suas habilidades em letramento e matemática: analfabetismo, alfabetismo rudimentar, alfabetismo básico e alfabetismo pleno. Segundo o Inaf de 2007, 7% dos brasileiros são analfabetos e 21% têm habilidades rudimentares, ou seja, são capazes de localizar uma informação explícita em textos curtos, mas não conseguem compreender textos, tirar conclusões ou ler números na casa dos milhões.

Os testes do Inaf simulam atividades do dia a dia como interpretação de uma notícia de jornal, leitura de um anúncio de emprego ou cálculos de percentuais simples. "Essa avaliação é para mostrar justamente como está a nossa sociedade em termos do principal legado que a escola deixa: a capacidade de o sujeito transitar pela cultura escrita com autonomia", explica a pesquisadora Vera Masagão, da ONG Ação Educativa.

Apesar de dominar minimamente a escrita, a leitura e a matemática, o analfabeto funcional tem limitações que dificultam atividades simples do cotidiano, além de prejudicar a sua inserção no mercado de trabalho e em outras esferas. Foi a necessidade de "aprender a ler e escrever direito" que levou a empregada doméstica Marileia Ferreira, 34 anos, a retomar os estudos, depois de passar muitos anos afastada da sala de aula. Ela havia freqüentado a escola quando era criança, no interior do Maranhão, e hoje está matriculada em uma turma de educação de jovens e adultos no Distrito Federal.

"Eu chegava a chorar de decepção. Eu estava na parada e não conseguia ler a placa do ônibus. Tinha muita vergonha, mas hoje melhorei e já leio bastante. Fico muito feliz por isso", conta a moradora da cidade de Santa Maria, no Entorno de Brasília. Para o presidente da Ação Educativa, Sérgio Haddad, o analfabetismo funcional é um fenômeno novo, que se deve, principalmente, à baixa qualidade do ensino público.

"Esse é um fenômeno recente porque antes não existia o direito à escola. Ou seja, antes as pessoas não passavam pela escola, agora elas passam, mas a qualidade é tão ruim que, na verdade, elas passam e não adquirem os conhecimentos necessários. Elas têm noções de leitura e escrita, mas não o suficiente para utilizar no seu cotidiano", critica.

Na avaliação dele, é preciso encerrar o problema com a garantia de educação de qualidade para que as crianças e os jovens saiam da escola com domínio pleno da leitura e da escrita. "Precisamos melhorar bastante a qualidade da escola para que não se produzam mais analfabetos funcionais como a gente vem fazendo. A torneira continua vazando", acredita.

Além da falta de qualidade do ensino, a pesquisadora Vera Masagão aponta o baixo número de anos de estudo da população como fator determinante para o analfabetismo funcional. A maioria das pessoas está saindo da escola sem completar sequer o ensino fundamental. Para o sujeito ser um usuário da leitura e da escrita, entender alguma coisa, não basta o beabá. Ele precisa se socializar nesse universo de cultura escrita e para isso é necessária uma escolarização mais alongada."

Para a diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, alfabetizar as crianças atualmente é mais difícil do que há 20 anos. "O acesso ao ensino está garantindo, mas tem a questão da qualidade. Essas pessoas que estão entrando agora na escola são frutos de famílias que não tiveram essa oportunidade, por isso o desafio da escola é ainda maior. O déficit já vem da origem", observa.

Ana Lúcia defende que a redução dos índices de analfabetismo funcional é essencial para "cuidar das próximas gerações".

Alunos não sabem ler nem fazer conta

Ignez Martins Tollini - Ph.D. em Educação pela Universidade de Londres, é professora do Centro Universitário do Distrito Federal (Uni-DF)

Não poderíamos pensar que neste século voltaríamos ao velho assunto. O que acontece hoje na educação brasileira nos obriga a continuar a bater nas mesmas teclas do passado. É triste constatar que 52% de alunos da quarta série do ensino fundamental não saibam ler e 59% sejam deficientes em matemática. As estatísticas indicam que a formação de jovens e adolescentes brasileiros vai de mal a pior.

Uma rápida revisão do que aconteceu no desenvolvimento do sistema educacional pode ser útil para iluminar a preocupante situação. Desde o princípio do século 20, educadores pioneiros apresentaram veementes manifestos contra a precariedade do ensino público, atitude que durou até a década de 60. Entre os anos 60 e 80, os educadores começaram a se preocupar com fatores externos à escola, tais como a pobreza, o baixo nível de escolaridade da família dos alunos, a falta de oportunidade de aprendizagem anterior à entrada na escola etc. Esses fatores foram apontados como responsáveis pelo fracasso escolar de grande parte de alunos das escolas públicas. No final do século passado, tornou-se consensual, entre estudiosos em várias partes do mundo, que o fracasso escolar tem raízes tanto nos fatores internos da escola quanto nos externos que incidem sobre ela.

Os estudos que se desenvolvem agora revelam que a escola, em todos os níveis e em vários países, tende a se descuidar do ensino. Por exemplo, na primeira campanha eleitoral do atual presidente dos Estados Unidos, foi revelado que vários alunos chegavam à universidade sem conhecimentos básicos de leitura, de escrita e de matemática. No Brasil, as escolas estão sobrecarregadas de atividades extraclasse. Festividades, trabalhos sociais, reuniões administrativas e outros eventos tomam o tempo que deveria ser empregado em atividades de ensino.

Nas universidades, as exigências de pesquisa fazem que professores dediquem menos tempo ao ensino. Na verdade, a pesquisa traz remuneração bem mais atrativa do que o ensino. Entre os fatores externos, que distraem alguns professores de sua missão precípua de ensinar, dois são notórios: os interesses comerciais e a ideologia político-partidária. Os interesses comerciais penetraram nas universidades e determinaram o surgimento dos cursos da moda, isto é, cursos rápidos, cada vez mais especializados e superficiais. Por sua vez, a militância político-partidária invadiu os câmpus e as salas de aula de algumas universidades públicas. Isso fez que professores e alunos abraçassem com fervor a ideologização e a militância político-partidária.

A ligeira descrição do que acontece em algumas escolas e universidades pode explicar, embora não inteiramente, por que estamos falhando em ensinar aos alunos assuntos essenciais para sua formação intelectual e social. A partir dessa base, outras capacidades poderão fluir (no sentido proposto pelo famoso economista indiano Amartya Sen na teoria do desenvolvimento humano). Certamente, a escola por si só não deve ser responsabilizada pela tragédia educacional da nação. Mas deve cumprir sua missão com seriedade, comprometimento e competência.

Junto a ela, o Estado e a sociedade não podem se omitir do seguinte desafio: ou a qualidade na educação vem a ser prioridade de fato, ou teremos de continuar a lamentar a existência de tantos jovens que passaram pela escola e vivem sem os saberes e as capacidades primárias. Teremos, também, que aceitar os últimos lugares nas avaliações internacionais sobre a educação formal. Isso nos impedirá de chegar a ser uma nação desenvolvida como desejamos e já poderíamos ser. A perda para o desenvolvimento humano do país é incalculável.

[Correio Braziliense ]

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